Scientific American Brasil entrevista professor da UNIP
Para a edição especial da revista Scientific American Brasil, intitulada A Ciência na Era dos Inventores, foram entrevistados vários pesquisadores brasileiros e, dentre eles, está o professor Biagio F. Giannetti. O pesquisador da UNIP desenvolve suas atividades acadêmicas no Laboratório de Físico-Química Teórica e Aplicada (LaFTA), situado no campus Indianópolis e implementado com recursos da UNIP e da Fapesp (Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo).
O Grupo de Pesquisa do LaFTA, liderado pelo professor Biagio, que está registrado oficialmente no Diretório de Grupos de Pesquisa do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) desde 1995, realiza estudos que se destacam pela contribuição tecnológica e pela integração da pesquisa e da formação de recursos humanos. Desempenha, também, atividades ligadas ao Programa de Pós-Graduação em Engenharia de Produção em linhas de pesquisa que tratam de Produção Mais Limpa e Ecologia Industrial.
Desde a sua primeira publicação, em 1845, a Scientific American tem tido a preocupação de divulgar os desenvolvimentos que revolucionaram o estilo de vida da humanidade, reconhecendo a importância de idéias, iniciativas e desenvolvimentos, noticiando tecnologias como telégrafo, telefone, câmara fotográfica, fonógrafo, lâmpada incandescente, motor à combustão, entre outras.
Entrevistado pela jornalista Raphaela de Campos Melo, Biagio abordou a questão da invenção da pilha elétrica e sua repercussão. O cientista Alessandro Volta foi o responsável pelo invento, em 1800, após dar prosseguimento a um trabalho desenvolvido pelo cientista Luigi Galvani, que investigava o efeito da 'eletricidade' sobre os nervos.
A seguir, a entrevista na íntegra do professor Biagio F. Giannetti:
No contexto da criação da pilha, houve algum cientista que contribuiu de alguma forma para o invento, mas acabou sem reconhecimento pelos anais da história? Ou os personagens principais são mesmo Luigi Galvani e Alessandro Volta?
Biagio F. Giannetti - Houve outros cientistas que estiveram próximos da descoberta de Luigi Galvani e Alessandro Volta. Porém, estes cientistas e seus contemporâneos, não deram a devida importância aos fenômenos observados e não continuaram investigando. Exemplos disto são os de Sulzer e Cotugno.
Sulzer (filósofo Suíço) em 1767 escreveu sobre um fenômeno que agora é familiar, que é uma das primeiras evidências da existência da eletricidade galvânica. Quando usava a língua como contato entre dois metais diferentes sentia sabores levemente picantes e às vezes o sabor era acompanhado de uma luz diante de seus olhos. A causa do fenômeno foi considerada misteriosa e foi ignorada pelos cientistas. Foi considerada uma forma de entretenimento para crianças. Sulzer, por exemplo, simplesmente limitou-se a comentar que o gosto era semelhante ao do sulfato de ferro.
Em 1786, Cotugno (professor de Anatomia em Nápoles) cortando um rato vivo sentiu, quando tocou um nervo do animal com a ponta da faca, um forte choque em ambos braços e no peito. Mesmo sendo na época a eletricidade a explicação de muitos fenômenos naturais, o incidente não foi considerado de natureza elétrica.
O acaso na ciência é muito comum, mas a percepção que se está diante de uma descoberta e que vale a pena prosseguir estudando não é tão comum. Para Luigi Galvani foi diferente, um incidente oportuno serviu para que fosse feita a primeira demonstração da corrente elétrica. Em 1786, Luigi Galvani (fisiólogo da Universidade de Bologna) observou que uma perna de rã dissecada sofria um espasmo quando ficava perto de um gerador eletrostático. Galvani seguiu seus experimentos que chamou de 'eletricidade animal'. Pendurou uma perna de rã em uma barra de ferro empregando um gancho de latão e observou que a parte inferior da perna se contraía quando entrava em contato com a outra parte da barra.
Alessandro Volta (físico da Universidade de Pavia) estava completamente absorto com seus estudos que eram o 'tema do dia': eletricidade. Seus colegas médicos solicitaram que Volta revisasse o trabalho de Galvani, presumivelmente pela repercussão que tinha o nome de Galvani na comunidade científica. Alessandro Volta voltou sua atenção ao trabalho de Galvani de forma relutante. Tem-se que entender que Volta era na época um conceituado cientista que tinha inventado (entre 1775 e 1785) equipamentos como o eletróforo, o condensador elétrico e o eletroscópio, tinha grande prestígio internacional de experimentalista puro, tendo estudado a capacitância elétrica de condutores e definido a unidade de tensão elétrica, tudo isto fazia que o tipo de experimentação de Volta fosse muito diferente às realizadas por Galvani.
Inicialmente, Volta reproduziu os experimentos de Galvani e imediatamente mudou de atitude. Foi o primeiro, em 1792, que confirmou os resultados de Galvani e aceitou a interpretação da 'eletricidade animal'. Tendo adjetivado os resultados de Galvani de 'estupendos'. Porém, com o aprofundamento de seus estudos, Volta, acabou discordando da interpretação de Galvani e iniciou-se a famosa controvérsia entre Galvani-Volta que terminou com o falecimento de Galvani em 1798.
Os experimentos de Volta foram sistemáticos e seletivos provando que a eletricidade não provinha do corpo do animal e sim do contato metálico (do latão do gancho, que é feito principalmente de cobre, e do ferro da barra, o tecido da rã que era o contato elétrico). Para Volta, os músculos e nervos da rã funcionavam como um eletroscópio extremamente sensível, que permitia detectar uma corrente elétrica muito tênue. Tão tênue que não era perceptível para os equipamentos da época. Na busca da amplificação da corrente elétrica, Volta inventou a primeira pilha em 1799. Dessa forma, a invenção corroborou com a sua teoria de diferença de potencial geradas pelo contato de metais diferentes.
É importante notar que Galvani fez uma descoberta, que se pode denominar até de re-descoberta, pois vários cientistas tinham observado fenômenos da mesma natureza sem ter dado a devida atenção e sem a devida repercussão na comunidade científica. Volta, a rigor, não fez uma descoberta e sim uma invenção. Uma invenção baseada na pesquisa sistêmica.
Curiosamente, Volta defendia uma teoria física (uma teoria do contato elétrico) para descrever a causa do funcionamento da pilha e rejeitava uma explicação química. Somente em 1834, Michael Faraday (enunciou as leis da estequiometria eletroquímica) forneceu evidencias que suportavam a teoria química do funcionamento das pilhas: uma correspondência quantitativa entre ações elétricas e eventos químicos. Alessandro Volta é considerado o pai da eletroquímica, mas que não 'reconheceu' sua criatura.
Em que medida o acaso atuou nesta descoberta?
Biagio F. Giannetti - Tanto para Galvani e Volta o acaso esteve presente, porém de formas diferentes. Para Galvani a descoberta foi acidental. Já para Volta o acaso foi ter-se encontrado com um tema de pesquisa, que a princípio não era de seu interesse, e de metodologia muito diferente à que estava acostumado. A sagacidade destes dois cientistas foi fundamental para que fosse inventada a pilha.
Volta teve que desenvolver um trabalho sistêmico que precisou de toda sua experiência científica. O raciocínio por analogias foi importante para alcançar a invenção. Uma prova disto é que Volta chamou a atenção de sua invenção comparando-a com a 'bateria' das garrafas de Leyden, por sua grande capacidade elétrica e baixa tensão, mas também fez uma analogia com o órgão natural do peixe elétrico. Volta denominou a sua pilha de 'órgão elétrico artificial'. Esta analogia estava baseada em observações que Volta tinha feito da anatomia de peixes elétricos (em especial a arraia da variedade peixe torpedo). Posteriormente, Volta considerou mais apropriado chamar a sua invenção de 'aparelho eletro-motor' e de 'aparelho em coluna' por causa de sua forma. Por causa de seu formato os pesquisadores Franceses denominaram a invenção de simplesmente de 'Piliere', que é a denominação que predominou: Pilha.
De que forma a invenção da pilha repercutiu na época?
Biagio F. Giannetti - O impacto da invenção de Volta no mundo científico foi enorme e para as pessoas comuns de sua época foi imenso. A novidade foi tão grande que Alessandro Volta tornou-se muito popular, reconhecido pela rua, celebrado por poetas e músicos e cortejado por governantes. Mascheroni, um poeta, em 1793 escreveu um poema que elogia o 'movimento perpétuo' da corrente gerada numa pilha. Na ocasião do primeiro centenário da invenção da pilha (1899) que foi comemorado numa convenção de telegrafistas em Como, Giacomo Puccini, universalmente conhecido, dedicou uma 'Marcetta Brillante' para Volta com o sugestivo título de Scossa Eletttrica (literalmente 'Choque Elétrico'). Foi admirado por Napoleão que lê outorgou várias honrarias. Alessandro Volta ocupou cargos acadêmicos e políticos de destaque (entre estes, reitor da Universidade de Pavia e de Senador). Alessandro Volta foi, o que raramente ocorre com uma grande personalidade, 'um profeta em sua terra natal'.
Qual sua importância no contexto das grandes invenções humanas?
Biagio F. Giannetti - A invenção da pilha foi extraordinária e revolucionou o dia-a-dia das pessoas. É imaginável conceber o mundo atual sem a pilha. Todos nós carregamos diariamente pelo menos uma pilha, seja num celular, num relógio ou em nossos veículos de transporte. Em nossa residência e em nosso trabalho temos várias pilhas que nos dão a possibilidade de ter equipamentos portáteis. A pilha está tão presente em nossas vidas, pode-se dizer de uma forma até 'invisível', miniaturizada e silenciosa, dentro dos equipamentos de nosso dia-a-dia, que fica difícil percebê-la fisicamente. Mas quando surgiu o impacto que teve no campo científico e tecnológico foi imenso, por este motivo, não é exagero afirmar que 'o entusiasmo e o assombro causado pela novidade da pilha de Volta no mundo científico é comparável ao ocorrido com o advento do controle da energia nuclear na década de quarenta'.
Para ter uma idéia da importância da pilha no contexto das grandes invenções humanas vale a pena mencionar algumas de suas conseqüências no campo:
Científico.
A invenção de pilha foi o marco de novos campos de conhecimento relacionados com a química, magnetismo e eletricidade. A invenção da pilha permitiu que fosse obtida uma avalanche de resultados no campo da eletroquímica. Como a descoberta de metais elementares, como sódio e potássio por Humphry Davy. Por este motivo, considera-se que a eletroquímica experimental surgiu com a invenção da pilha.
Antes da pilha somente eram conhecidos os geradores eletrostáticos, que produziam descargas de alta tensão elétrica e não podiam fornecer uma corrente contínua. A pilha possibilitou ter uma fonte de corrente utilizável com a qual os cientistas tiveram a possibilidade de realizar experimentos verificando o elo entre eletricidade e magnetismo. Exemplo disto é o trabalho de Orested, que empregando uma pilha, descobriu que uma corrente elétrica em um fio que passava sobre uma bússola era capaz de defletir a agulha magnética. Outro fato significativo é que, pouco mais de quatro décadas após a invenção de Volta, surge a primeira revista cientifica (impressa em Londres em 1837) devotada aos fenômenos elétricos com o título 'Anais de Eletricidade, Magnetismo e Química' (The Annals of Electricity, Magnetism and Chemistry).
Tecnológico.
É surpreendente que a pilha de Volta não mudou, sob o aspecto de sua estrutura básica e de seus princípios científicos, após duzentos anos de sua invenção. O que surgiu após a invenção foi um grande número de pilhas com as mais variadas finalidades. A pesquisa e desenvolvimento de pilhas é um dos campos de grande investimento tecnológico pelas indústrias que abrangem setores como comunicação e transporte. No setor de transporte as pilhas, conhecidas como células a combustível, são uma realidade tecnológica que trazem grandes esperanças no uso de energia de forma mais eficiente e limpa. Projetos espaciais já empregam este tipo de tecnologia com pleno sucesso.
A pilha permitiu a realização de experimentos que possibilitaram a descoberta e o aprofundamento dos fenômenos eletromagnéticos. Esta descoberta possibilitou a invenção do eletroímã prático. O eletroímã afetou de forma significativa a nossa sociedade, exemplos de aplicações do eletro-imã são a campainha, o telegrafo e o motor elétrico. Foi tão essencial a pilha para o desenvolvimento do telégrafo que no primeiro centenário da invenção de Volta foi festejada em Como com a realização de uma convenção de telegrafistas.
Armazenamento de energia (por exemplo, a bateria do carro), geração de energia (como a célula de combustível), síntese de substâncias inorgânicas (a produção de cloro e soda é um exemplo), síntese de substância orgânica (como a adiponitrila, matéria prima para produção de Nylon), proteção e combate á corrosão (um exemplo é a proteção catódica), tratamento de superfícies (revestimento metálico como o cobre eletrodepositado é um possível exemplo), entre outras inúmeras usos do conhecimento eletroquímico em processos industriais, são aplicações da eletroquímica tecnológica. É impensável imaginar o nosso conforto atual sem a eletroquímica aplicada. Certamente, a eletroquímica tecnológica que hoje conhecemos não teria surgido sem a invenção da pilha.
A questão que fica é, se não fosse a genialidade e a experiência de Volta outro cientista teria inventado a pilha? Esta é uma pergunta que não tem uma resposta objetiva. Somente podemos especular. O fato, indiscutível, é que a genialidade de Alessandro Volta deixou a sua marca permanente em nossa sociedade.