Moda Contemporânea e construção interdisciplinar: pela constituição de um campo científico para a moda
Solicitação do auxílio "Programa de apoio a jovens pesquisadores em centros emergentes" da FAPESP
Vários indicadores contemporâneos nos sugerem que o campo da moda no Brasil está em franco processo de consolidação.
Do ponto de vista dos meios de comunicação observamos sua especial atenção para o mundo da moda. Vários espaços exclusivos para a moda foram abertos no país : programas de televisão, cadernos e/ou colunas fixas em importantes jornais e uma crescente valorização das revistas especializadas em moda.
Atualmente são 11 títulos de revistas impressas direcionadas para o segmento. Editoras observam resultados positivos em termos de tiragem com edições que tratam o comportamento e têm o mundo da moda em suas matérias jornalísticas. O assunto circula nas pautas de jornais e periódicos, conquistando espaços exclusivos nos cadernos de cultura e colunas sociais. Nos informes econômicos a moda é tratada como "commodity". Na sessão de ciência e tecnologia uma fibra têxtil "inteligente"chama atenção até de quem não entende de moda.
Com o acesso à internet e a implantação da TV a cabo no Brasil torna-se possível acompanhar o fluxo da moda internacionalmente. Em sintonia com o que acontece no exterior, entram no ar, os primeiros sites e revistas eletrônicas com a intenção de reunir o crescente universo da moda brasileira, divulgando produtos, fornecedores, profissionais da área e calendário de eventos.
Ainda na esfera da comunicação e marketing observamos empresas nacionais investindo tanto na divulgação, produção e promoção de desfiles de grifes nacionais, quanto em concursos que procuram novos talentos para alimentar o mundo da moda nacional (ver nota 1) .
De um ponto de vista macroeconômico, os indicadores disponíveis informam sobre a expressiva participação da moda no cenário da economia nacional. Dados relacionados apenas ao setor vestuário e fornecidos pela Associação Brasileira da Indústria do Vestuário (Abravest) apontam para um volume de produção física da ordem de 3.819.026.000 peças em 1996 (ver nota 2), movimentando um valor de aproximadamente US$ 27,5 bilhões (ver nota 3). Tal perfil de produção implica na existência de 1.400.000 empregos diretos, o que equivale a cerca de 7.000.000 de pessoas com algum grau de dependência dessa atividade, apenas no setor vestuário de produção de vestuário. Portanto não estão computados os dados relativos a indústria têxtil em geral, bem como os de comercialização no varejo.
Em termos de comércio exterior, a balança encontra-se equilibrada em relação a exportação/importação com um movimento equivalente a US $ 300 milhões em ambas as modalidades. Segundo os dados da entidade, o mercado cresceu após a implantação do Plano Real, havendo maior consumo de peças de baixo valor, vendidas principalmente para as classes sociais com menor poder aquisitivo. Podemos ressaltar, paralelamente a estes índices da mídia e da economia, o surgimento de várias faculdades de moda no Brasil, criadas a partir do final dos anos 80, e que têm neste curso um uma vasta clientela. Só na cidade de São Paulo existem quatro cursos superiores na área da moda, três dos quais plenamente consolidados, em termos de números de matrículas e continuidade das atividades acadêmicas. A moda como curso superior está presente ainda no Rio de Janeiro dentro da faculdade Veiga de Almeida, na Universidade Estadual de Londrina e na Universidade Federal do Ceará entre outras que estão em vias de institucionalização.
Começa a surgir hoje no cenário da moda nacional um novo perfil do profissional da moda que provém destas faculdades.
Se, como mostram todos estes índices, o campo da moda está em plena consolidação em várias dimensões, o mesmo não ocorre na questão da construção do campo da moda enquanto campo de saber. A julgar pela pequena produção científica brasileira neste setor (e inclusive das próprias faculdades de moda), observamos uma carência teórico-metodológica centrada na especificidade da moda contemporânea e ainda da sistematização de todos estes novos dados que mostram o seu impacto na sociedade.
Todos estes índices nos remetem pois para uma urgência que é a tarefa proposta pelo nosso grupo : a sistematização destes dados e a construção da moda contemporânea brasileira como campo de saber. Os trabalhos de Solange Wajnman e Maria Gabriela S.M.C, ambas professoras do curso de moda da Universidade Paulista (Unip) e membros da equipe proponente já apresentam esforços neste sentido. A primeira desenvolve a pesquisa "Espírito do Tempo e Moda Contemporânea : subsídios teórico/metodológicos para a constituição de um campo de saber aplicável ao curso de moda/Unip."A segunda desenvolve a pesquisa "Moda : conhecimento científico, trajetória acadêmica e demanda profissional".
A intenção agora é reunir estes esforços em uma equipe interdisciplinar e implementar um banco de dados com ênfase na virtualidade, maneira contemporânea de auxiliar na sistematização e constituição da moda enquanto campo de saber. Não havendo nenhum tipo de projeto em moda no Brasil com este caráter consideramos nossa proposta pioneira. Trata-se da primeira sistematização de dados organizada segundo critérios de bases interdisciplinares, primeira sistematização da produção científica, primeiro banco de dados virtual em moda de acesso ao público e a outros pesquisadores.
Tema marginal nos estudos acadêmicos, relegada durante muito tempo ao mundo das frivolidades por grande parte dos intelectuais, a moda hoje adquire características e dimensões desconhecidas que devem ser urgentemente sistematizadas e compreendidas.
Se até poucas décadas, ainda estava restrita a determinados estratos da população, hoje a moda insinua-se fortemente em faixas etárias e classes sociais que antes não alcançava. A partir deste espraiamento é o próprio caráter de frivolidade que vemos modificar. Como diz Lipovetsky "A moda não é mais um enfeite estético, um acessório decorativo da vida coletiva; é sua pedra angular. A moda terminou estruturalmente seu curso histórico, chegou ao topo do seu poder, conseguiu remodelar a sociedade inteira à sua imagem: era periférica, agora é hegemônica" (ver nota 4).
A identidade entre moda e capitalismo é intrínsica e é preciso ter isto em mente na produção dos novos estudos para a moda na sociedade contemporânea pois o seu estatuto e conseqüentemente a sua demarcação teórico-metodológica acompanhará este entrelaçamento.
A moda é, efetivamente, como mostra Lipovetsky, um fenômeno específico das sociedades modernas, associado aos valores e formas de socialização próprios deste tipo de organização social. O que a define é o gosto pela mudança e pelo novo, subjetividade esta própria ao capitalismo. Não se poderia, segundo o autor, falar em moda nas sociedades tribais, antigas e medievais. Predominaria nestas o valor atribuído à permanência, valor este que impede a formação do gosto pela mudança, do prestígio, do tempo presente e da legitimidade da ação humana sobre o mundo.
A moda é a lógica do novo. O efêmero é a forma de ser da moda, ou seja, estar eternamente em mutação. Sendo um dado socialmente construído, não se poderia desprezar sua dimensão histórica e social, ou seja, é preciso ter em mente a idéia de que é a nossa sociedade quem produz esta dialética própria da mudança que alimenta o sistema capitalista. Como mostra Sahlins esta "(...)consiste na reprodução da sociedade num sistema de objetos não simplesmente úteis, mas significativos, cuja utilidade consiste em uma significação(...)mera aparência, uma das mais importantes formas de manifestação simbólica na civilização ocidental. Porque é através de aparências que a civilização transforma a construção num milagre de existência: uma coesa sociedade de estranhos" ( ver nota 5).
Aparências, imagens, signos como constitutivos do mundo da moda merecem uma aproximação teórica metodológica compatível. Alguns autores já trabalharam a moda como sistema de signo mostrando assim a identidade entre capitalismo e moda.
Roland Barthes, o pioneiro neste tipo de análise considera o vestuário como um sistema de comunicação, ampliando a análise do "vestuário-real" para o "vestuário-escrito"em "Sistema da Moda" (ver nota 6), indicando como a mídia acrescenta significados à moda e como o leitor lê estes códigos. O antropólogo Marshall Sahlins, segue a linha de Barthes no capítulo "Notas sobre o sistema do vestuário americano". No seu livro Cultura e razão prática, Sahlins foca sua análise na moda enquanto produto da economia capitalista buscando os significados produzidos pelo vestuário, produto e apropriação das pessoas sobre o mesmo, para significar suas relações sociais, sua aparência. Sahlins vê o vestuário como um comunicante que se define pela oposição, pela relação com outro, ou seja para o autor, as calças jeans se opõem as saias, ou roupas de inverno às roupas de verão, desta forma "o sistema do vestuário americano corresponde a um esquema muito complexo de categorias culturais e de relações entre elas, um verdadeiro mapa-não é exagero dizer-do universo cultural" (ver nota 7) afirma o antropólogo.
Pierre Bourdieu também utiliza esta lógica da distinção na análise sobre "Gosto de classe e estilo de vida". Para o autor, a condição de classe determinaria o gosto e o estilo de vida, logo, a aparência e a roupa, enquanto os indivíduos provenientes de classes populares reduzem suas necessidades urgenciais como limpeza e comodidade, as classes médias buscam um vestuário na moda e original. O autor afirma "às diferentes posições no espaço social correspondem estilos de vida, sistemas de desvio diferenciais que são a retradução simbólica de diferenças objetivamente inscritas nas condições de existência" (ver nota 8). Bourdieu aproxima-se de uma leitura não mais simbólica, mas sígnica quando escreve em "As Metamorfoses do gosto" que a grife, é a marca que, não mudando a natureza matéria, mudaria a natureza social do objeto.
Gilda de Melo e Souza (ver nota 9) vê na moda do século XIX um elemento de distinção entre os gêneros (o que ela chamou de antagonismo) e ainda signo de comunicação, capaz de criar códigos de sociabilidade parcialmente decifráveis como a modelação, remodelação dos corpos pela roupa. Apesar dos autores trazerem a discussão da moda próxima ao estatuto do signo, alguns deles ainda não são conscientes da dimensão paroxistica que a lógica da moda enquanto objeto sígnico e emblemático vai adquirir na sociedade contemporânea. Não puderam também prever seu impacto e conseqüências. Mais do que hegemônica, acreditamos que a moda contemporânea chega mesmo a ser constitutiva do próprio tecido social. A julgar pelas características atuais, ou seja, pela maneira que ela define a sociabilidade, pelos novos padrões éticos e estéticos, pela nova definição do mercado empresarial , a moda hoje é um fenômeno.
Tal perplexidade diante deste objeto demanda não somente a revisão mas uma atualização de caráter teórico/metodológico da moda enquanto campo de saber. O grande impacto da moda na vida social, seu entrelaçamento com a sociedade exigem, sem dúvida, a institucionalização científica deste objeto. Ela deve migrar radicalmente do campo da frivolidade para receber um estatuto científico. A questão da moda como lógica da mudança prevista por Sahlins atinge hoje proporções inacreditáveis. As mudanças de usos e significados que ela produz relaciona-se inextricavelmente com a dinâmica do capitalismo numa sociedade globalizada.
A moda como um dos objetos de consumo em massa em oposição aos mercados de elite mobiliza-se junto com outros produtos numa velocidade espantosa. Como mostra Harvey "a aceleração do tempo de giro nas produção envolve acelerações paralelas na troca e no consumo. Sistemas aperfeiçoados de comunicação e de fluxo de informações, associados com racionalizações nas técnicas de distribuição (empacotamento, controle de estoques, conteinerização, retorno do mercado etc), possibilitaram a circulação de mercadorias no mercado a uma velocidade maior" (ver nota 10).
Mas a moda, como a lógica do novo, confunde-se, mais do que os outros objetos de consumo, com o próprio sistema capitalista contemporâneo. As ligações são extremamente fortes, como podemos entrever a partir das características do capitalismo atual segundo Harvey. Ele descreve-as assim :
1.Acentuamento da volatidade e efemeridade de modas, produtos, técnicas de produção, processos de trabalho, idéias e ideologias, valores e práticas estabelecidas.
2.Toda essa industria se especializa na aceleração do tempo de giro por meio da produção e venda de imagens. Trata-se de uma indústria em que reputações são feitas e perdidas da noite para o dia, onde o grande capital fala sem rodeios e onde há um fermento de criatividade intensa, muitas vezes individualizada, derramado no vasto recipiente da cultura de massa serializada e repetitiva. É ela que organiza as manias e modas, e, assim fazendo, produz a própria efemeridade que sempre foi fundamental para a experiên cia da modernidade. Ela se torna um meio social de produção do sentido de horizontes temporais em colapso mais amplo do que ela mesma, se alimenta tão avidamente ." (ver nota 11)
Na verdade, hoje são as imagens que se tornam mercadorias. O capitalismo agora tem preocupação predominante com a produção de signos, imagens e sistemas de signos, e não com as próprias mercadorias. A moda, imersa neste sistema é o campo ideal para conter esta múltiplicação de signos e imagens. E isto é tão impressionante que assistimos hoje, por um efeito complexo, a ação da moda na criação de sociabilidade e definição de éticas grupais.
Como mostra Gianni Vattimo (ver nota 12) nas últimas décadas, culturas e subculturas de toda espécie manifestaram-se à opinião pública. A natureza destes grupos consiste numa existência pontual, efêmera e sucessiva, contando muitas vezes com uma linguagem tátil, visual, não-verbal. Eles se constituem em torno de ídolos de música, de práticas esportivas, de eventos consumistas etc. Sua comunicação não passa necessariamente pela palavra, são antes os ornamentos, a moda, os "gadjets" que tomam o lugar. Assim o "look" comum do qual a moda é, em grande parte responsável, traz emblemas comuns, constitutivos desta lógica identificatória. Estes elementos são, nas palavras de Vattimo "status symbols", "cartas de membro"que permitem aos grupos reconhecerem-se.
Como vemos trabalhar a moda hoje é necessariamente trabalhar com signos e imagens, é evidente; mas deve-se ter o cuidado em inserí-los, paradoxalmente, num sistema simbólico. Estes signos e imagens apesar de serem voláteis e efêmeros não meras são representações e muito menos estruturas ocas e vazias que desprezariam o conteúdo. Ao contrário, eles são o próprio conteúdo, a própria realidade.
Transpostos numa discussão teórica geral de cunho epistemológico trazemos aqui as idéias de Lash (ver nota 13) na sua contraposição entre realismo estético versus simbolismo. No realismo estético, o cultural se separa do social, possibilitando a representação (um tipo de entidade representa outro). O simbolismo não operaria esta separação. Queremos ver moda, portanto, neste novo registro simbólico, que é o do simbolismo e não da representação. A moda e o estilo não se restringem à esfera cultural como mera representação de uma realidade naturalizada. Processos de estilo estéticos vão ser parte integrante/configurante das sociabilidades modernas.
Para Lash, a modernidade plena constitui uma quebra com uma crença em essências fundadoras ou fundantes, metafísicas. Ou seja, o real não é mais visto como uma esfera metafísica, natural, determinante de outras esferas (como a estética). A moda passa então a adquirir importância como uma esfera auto-regulada (um campo) cuja relação com o real não é mera superestrutura ou representação. Mas a moda adquire um estatuto simbólico, interagindo com o real e constituindo sociabilidades como uma esfera auto-regulada.
Ver a moda como campo então, como esfera auto-regulada seguindo a lógica de Lash, significa romper com uma visão metafísica de realidade e perceber o estético como constituinte da realidade. A moda e o estilo não são mera representação ou superestrutura determinada por uma estrutura, uma realidade metafísca, mas contribui, enquanto uma esfera auto-regulada, que se relaciona com outras, na constitição desta mesma realidade.
Um estudo da moda na sociedade contemporânea deve ser necesssariamente, extrapolar o campo específico da moda enquanto tal, como passarelas, estilistas, roupas, etc. Pois a moda coloniza e influencia outras esferas. O estudo deve se dar nesta interação, indo além de uma preocupação restrita com roupas.
No pós-modernismo ocorre a crítica da distinção entre significado, significante e referente. Cresce a interferência do virtual na vida cotidiana (TV, propaganda, computadores), e o referente perde espaço para o significante na vivência cotidiana das pessoas. A moda como significante se torna uma vivência compartilhada importante no contemporâneo, onde o referente (o real) perde espaço para significantes como a mídia. O real com o qual as pessoas interagem cada vez mais é o referente, a imagem, e a moda é a manifestação clara deste processo.
Somente a sistematização de um estudo interdisciplinar, cujas linhas de pesquisa (sociológica, estética, histórica etc) convirjam para a moda, pode compreender a questão do impacto da moda na sociedade contemporânea. Tudo isto justifica a constituição do grupo enquanto grupo de estudos interdisciplinares com o objetivo de compreender, identificar e fazer prospecções para a moda contemporânea. Ao mesmo tempo a criação de um banco de dados com ênfase na virtualidade faz a "mimesis"(no sentido de Walter Benjamin) metodológica do mundo das imagens e dos signos. O banco de dados deve, pois, partindo de nossa premissa teórico-metodológica descrita acima, "imitar" a linguagem multimediática para melhor apreender a moda contemporânea enquanto objeto de investigação.
O objetivo do nosso trabalho é a constituição interdisciplinar de um campo de saber para a moda, área de tamanho impacto e curiosamente tão pouco explorada. Para isto pretendemos sistematizar a base bibliográfica existente, o material mediático em moda disponível num banco de dados virtual de acesso público e, sobretudo, trazer novas investigações teórico-metodológicas para este novo campo de saber.
Nosso banco de dados terá então uma dupla função : servir como suporte para as investigações do grupo que se desencadearão a partir das fontes primárias coletadas (e que a elas voltarão mais elaboradas) bem como servir como centro de documentação aberto ao público.
As investigações propostas pelo grupo que se alimentam da base de dados brutos e que inversamente o enriquecem na sua organização obedecem à alguns eixos de pesquisa propostos por cada integrante. Tais eixos convergem individualmente para o objetivo comum ao grupo que é a necessidade imperiosa de compreender o impacto e o alcance da moda na sociedade contemporânea em diversos setores. Esta compreensão supõe uma base prospectiva seja em termos da busca de novos recursos teóricos que surjam da interface da moda com outras áreas (comunicação, sociologia, história, política de ensino no Brasil) ou metodológicos (banco de dados em moda e ciências da informação).
Segue-se uma síntese dos objetivos de cada linha de pesquisa :
1) Linha de pesquisa : A Institucionalização Acadêmica da Moda
Responsável : Maria Gabriela S.M.C Marinho
Esta linha de pesquisa pretende sistematizar as linhas gerais de caráter sócio-histórico que possibilitam compreender a emergência de uma "institucionalização simultânea"dos cursos de moda. Considera que essa emergência é resultado do amadurecimento de três setores econômicos distintos porém convergentes. Em primeiro lugar, aponta a trajetória da indústria têxtil e de confecções como determinante para criação de uma base material sobre a qual a indústria da moda poderia se implantar integralmente.
Tão importante quanto a existência dessa base material, foi a implantação da chamada "indústria cultural"no Brasil. Ela provocou, por sua vez, a instalação de um "mercado de bens simbólicos"que reorientou o gosto e os padrões de consumo da sociedade brasileira com a mediação do mercado publicitário e a participação da indústria têxtil, de confecções e de cosméticos, entre outros setores econômicos.
Esta linha de pesquisa considera finalmente como hipótese a idéia de que o "arremate"final deu-se através da dinâmica imposta pelo ensino superior privado que, entre os anos 60 e 80, passou a responder pelo aumento de 2/3 das vagas existentes n sistema brasileiro de educação universitária. A lógica inerente ao setor, que atua agressivamente em busca de sua clientela, e em sintonia com o mercado de trabalho, explica, pelo menos em parte, porque os cursos de moda, sem qualquer tradição acadêmica no país, surgiram,exatamente, no âmbito das instituições privadas e num processo de "institucionalização simultânea".
2) Linha de pesquisa O Fluxo de Informação na Moda
Responsável: Astrid Sampaio Façanha
Esta linha de pesquisa analisa a moda sob o prisma do seu sistema virtual : enquanto transporte, sempre em mutação, em devir e conforme os quadros de referência em que circula. Ela tem como objetivo estabelecer as bases de um Centro de Cálculo. Este Centro de Cálculo além de contribuir para o aprimoramento conceitual da implantação do banco de dados do nosso Centro Emergente fornecerá uma contribuição material com dados da industria da moda. Neste sentido esta linha de pesquisa que acompanha a pesquisa de mestrado em Ciência da Informação tem como objetivos:
a) situar a moda nos quadros de referência da realidade virtual a partir da concepção de Pierre Levy, contrapondo-a à de Jean Baudrillard e desdobrando-a em seus domínios teóricos (análise formista de Maffesoli e essência da moda de Simmel), da experiência humana (visão dos que fazem a moda acontecer) e de sua construção (montagem de Centros de Cálculo para transporte de informação).
b) ilustrar a idéia de Centro de Cálculo, a que se adiciona a concepção de Michel Menou sobre a informação como commodity, a partir do estudo do Centro de Tecnologia da Indústria Química e Têxtil (SENAI/CETIQT). O CETIQT é apresentado como laboratório, suportado por vasta rede de informação/conhecimento, onde é possível acompanhar o trabalho de tradução da informação nos domínios da pesquisa, da indústria e do comércio, contemplando, especificamente, as seguintes manifestações do processo informacional: na pesquisa que define a cartela de cores, as misturas e tramas de filamentos para composição de tecidos e os cortes de modelagem e, nos efeitos que tudo isso produz ao ser organizado, por múltiplos intermediários, para três importantes eventos de moda (Morumbi Fashion, Brazil, Phytoervas Fashion e FENIT), para o laboratório de criação de moda de um estilista brasileiro e, finalmente, as repercussões dessas informações nos meios de comunicação de massa.
c) Contribuir para a sistematização da base material sobre a qual a indústria da moda se articula.
d) Articular e estabelecer em detalhes as bases conceituais e práticas do banco de dados do grupo.
3) Linha de pesquisa Moda, Consumo e Identidade
Esta linha compreende os projetos de MarkoMonteiro na área da Antropologia, de Maria Claudia Bonadio na área de História Social e de Alexandre Bérgamo na área de Sociologia.
Um dos objetivos desta linha é estudar a relação entre moda, estilo, imagem pública e relações de gênero na sociedade brasileira em dois momentosdistintos: a segunda e a terceira década do século XX e acontemporaneidade. Observando nos dois momentos, a relevância da moda na (re)construção da masculinidade e da feminilidade, e a utilização do "gênero" como parte constitutiva da linguagem do vestuário e da aparência, a linha de pesquisa pretende destacar a importância do gênero e da moda como articuladores de sociabilidades específicas contemporaneamente e através da história.
Uma outra preocupação desta linha de pesquisa é compreender a moda através dos mecanismos de transitoriedade e a renovação dos símbolos visuais dentro do âmbito das relações sociais. Ora, a moda enquanto fenômeno social não é aquilo que se está usando em um determinado momento e em outro não, mas sim a renovação constante do vestuário em si mesma. A moda é um fenômeno de renovação constante, rotinizada e ritualizada do vestuário. Esta característica é inerente à sociedade em que vivemos e se acentua sobremaneira numa época de economia globalizada e da velocidade das informações proporcionada pela novas tecnologias. Tal questão básica poderia se resumir assim : que experiência social é esta capaz de tornar a si própria transitória, e igualmente capaz de subverter a sua própria transitoriedade, pois pode estar no passado, no presente e no futuro ao mesmo tempo?
Essa questão deve ser respondida através da análise sociológica das complexas relações que interligam os diversos agentes ligados à moda. De um lado tem-se o mercado consumidor que estabelece uma demanda simbólica de um certo tipo, atendida pelos pelos produtores de moda. Do outro lado, o realidade destes produtores de moda e as relações que estabelecem tanto com o consumidor quanto entre si na concorrência pelo poder de produzir bens que atendam a essa demanda de consumo.
4) Linha de pesquisa Moda, Mídia e Novas Tecnologias.
Esta linha de pesquisa subdivide-se em três sub-áreas
-A Moda na TV por Assinatura e os Novos Modelos de Representação Juvenil
Responsável : Joelma Leão
Análise da dimensão social da moda a partir da nova estrutura tecnológica que a televisão por assinatura possibilita. Tem-se como hipótese a idéia de que a interferência destes novos meios à rotina das relações sociais acarreta ou é simultânea à um novo código de moda. Código excepcionalmente novo que traduz desejos e carências de um mix de culturas. Pode-se, por exemplo, perceber a força que o "streetwear" vem exercendo, o que mostra uma dinâmica entre esta nova forma de televisão e as microculturas ou subculturas que estão nascendo. A intenção é, portanto entender os processos de disseminação das tendências sazonais de moda no seu entrelaçamento com as "formulas"(programas que situam o universo da moda) constitutivas de tal processo.
-A Construção Visual da Moda na Imprensa e Ressemantização Cultural
Responsável : Patrícia Sant`Anna
O mundo da moda (nacional e internacional) está recebendo especial atenção dos meios de comunicação nacionais, principalmente a partir do começo da década de 1990. Vários espaços exclusivos para a moda foram abertos no país: programas de televisão, cadernos e/ou colunas fixas em importantes jornais e uma crescente valorização das revistas especializadas em moda. Esta "invasão"de informações imagéticas no mercado brasileiro não somente enriquece mas leva ao paroxismo a capacidade da moda em produzir objetos simbólicos e interpretar significados culturais. Uma análise das informações imagéticas poderá detectar a especificidade da construção da imagem da brasileira. Esta análise torna-se eficaz já que tem como perspectiva teórico-metodológica considerar o sentido de atualização da imprensa feminina. Sendo versões nacionais de matrizes internacionais o seu conteúdo provém das tendências internacionais que são ressemantizadas para os padrões nacionais.
-Moda, Tecnologias Contemporâneas e Novas Formas Cognitivas
Responsável : Solange Wajnman
Análise de formas estéticas no sentido de contribuir para a identificação das novas categorias epistemológicas e cognitivas. A linguagem das novas práticas estético-tecnológicas ( vídeo-arte, imagem de síntese, internet) estariam se constituindo como a matriz e o paradigma das outras artes. A moda, enquanto prática contemporânea de produção coletiva e imersa dentro de um mesmo "espírito do tempo"contemporâneo pode demonstrar esta hipótese.
Algumas categorias podem ser construídas a partir das idéias que partem da representação à apresentação; do realismo conceitual, da simulação, do abstrato sensível, da interatividade da mutabilidade de sentidos. Estas categorias são por sua vez concretizadas para o campo da moda nas seguintes tendências: tendência à imaterialidade (o jogo das transparências, dos tecidos leves, sedas, voils soltos, os brilhos, o lurex, strass, espelhos, tecidos sintéticos com cores fluorescentes, naylon, plástico), tendência à simulação e interatividade, tendência à superioridade do conceito de forma e modelagem da vestimenta sobre os enfeites e detalhes,tendência do desconstrutivismo (a questão da moda das ruas, do "downtown style", do estilo composto por roupas sobrepostas),tendência ao hibridismo.dos tempos e espaços (moda retrô, o pastiche),.da mescla entre o feminino e o masculino, o campo e a cidade.
Apresentadas as linhas de pesquisa faz-se necessário esclarecer que o objetivo final da equipe é construir uma rede de conexões causais (no sentido weberiano) para a questão da moda hoje, rede esta constituída a partir de uma construção interdisciplinar que se refletiria também na sistematização do banco de dados virtual.
A busca de uma taxonomia e das regras de acesso aos dados mais aperfeiçoadas estarão sendo criadas pelos responsáveis das linhas de pesquisa ao mesmo tempo em que eles desenvolvem suas investigações.
Os integrantes do grupo estarão desenvolvendo os seguintes tipos de pesquisa : a)pesquisa com fontes históricas para compreender a construção dos gêneros.
b)pesquisa iconológica em imprensa escrita para compreender a descrição imagética da moda e identidade cultural.
c)pesquisa junto às novas tecnologias.para compreender a estruturação da imagem sintética e suas analogias com a nova representação contemporânea da moda, para compreender o seu impacto junto aos jovens e para acompanhar e registrar o fluxo de informações entre vários setores da moda d)pesquisa de campo.para acompanhar a construção do processo mediático da moda, a relação entre produtores e consumidores e para acompanhar as políticas de institucionalização acadêmica da moda.
Os resultados destas pesquisas serão transformados em recursos visuais e auditivos: fotos, vídeos, depoimentos e textos elaborados a partir destes resultados. Este material se integrará ao banco de dados, aprimorado, neste momento final, no seu sistema taxonômico e nos critérios de acesso aos dados.
Paralelamente ao trabalho com o banco dados os reponsáveis das linhas de pesquisa estarão publicando os artigos referentes aos seus resultados. Prevemos também a realização de três seminários onde a equipe abrirá um debate com os estudiosos e a comunidade científica interessada.
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(1) São empresas como a Phitoervas-empresa de produtos de beleza-que promovem o já reconhecido e respeitado Phitoervas Fashion. Trata-se de um desfile executado em São Paulo com estilistas novos com total liberdade de criação para montar uma coleção para uma temporada determinada. O Morumbi Shopping organiza o Morumbi Fashion, evento onde as etiquetas paulistas mostram suas coleções a cada temporada. A Pierre Sminorf- destilaria de bebidas alcólicas -executa o Sminorff, etapa nacional de um concurso de talentos e tendências (que é patrocinado por esta mesma empresa). E, finalizando os exemplos, a empresa de cosméticos Helena Rubstein que promove o Estilo Leslie/Helena Rubstein, voltado para a moda carioca.
(2) Trata-se, segundo a Abravest, dos indicadores mais atualizados disponíveis na entidade, que utiliza serviços de terceiros para sua coleta e sistematização.
(3) Os dados excluem cama, mesa e banho e aprodução de meias.
(4) Lipovetsky, Gilles; O império do efêmero: a moda e seu destino nas sociedades modernas. São Paulo, Companhia das Letras, 1989, p.12.
(5) Sahlins, M. Cultura e razão prática. Rio de Janeiro: Zahar, 1979, p.224.
(6) Barthes, Roland. Sistema da moda. São Paulo, Cia. Ed. Nac./Ed. da Universidade de São Paulo, 1979.
(7) Sahlins, M. id, ibid, p199
(8) Bourdieu, Pierre. A distinção. São Paulo, Difel, s/data , p.82
(9) SOUZA, Gilda de Melo e. O espírito das roupas: a moda no século dezenove. 1ª reimp. São Paulo, Cia. das Letras, 1987.
(10) Harvey, David. A condição pós-moderna: uma pesquisa sobre as origens da mudança cultural. São Paulo, Loyola, 1993, p.227.
(11) Harvey, David. id.ibid. p.262
(12) Vattimo, Gianni. La société transparente. Paris: Desciée de Brouwer, 1990, p.18.
(13) Lash, Scott. Sociologie of Postmodernism. London, Routledge, 1990.